Por que a vida nos leva para longe de quem a gente ama? Veja, não estou reclamando, sei que a vida é movimento. Mas, é tão curioso. Por que será que as coisas que almejamos, os caminhos que seguimos, nos afastam de quem amamos? Aquelas pessoas que nos nutriram, nos cuidaram e lutaram por nós, mesmo quando não tinham nenhum motivo especial para isso, a não ser, é claro, a vontade, a generosidade, o amor.
Dia desses, me peguei em São Paulo, olhando as caixinhas iluminadas em volta da minha janela. Várias outras janelas, várias outras pessoas, e ainda assim, tudo que consegui imaginar foi como seria a vida delas. Nesses tempos de pandemia, a solidão conversa com a gente. E, de repente, dá para perceber onde está o verdadeiro sentido das coisas. E, da forma que vejo a vida hoje, nada dá mais sentido à vida do que as conexões que a gente cria, e que criam a gente.
O meu caminho até esse texto, que você está lendo agora, foi repleto de pessoas. Tenho certeza que o seu caminho, até essa leitura, também. De quais você sente saudade? Qual foi a última vez que você ligou para essas pessoas para dizer: “E aí? Como você tá?”. Nada de mensagens de Whatsapp, é ligar mesmo. Bem arcaico, bem jurássico. Ouvir a voz, a risada, o nariz fungando, sentir aquela vida que foi e continua sendo tão importante para você.
Hoje, falando com uma tia sobre o nascimento do David (meu filho), me veio esse pensamento. E que saudade danada! Tia Rosane é o tipo de pessoa que nasceu para cuidar. É enfermeira, boleira de mão cheia e, na minha opinião, a personificação do termo maternidade. Sempre calorosa, sempre amorosa, sempre cuidando.
Que saudade danada! Das nossas histórias, das nossas noites assistindo Show do Milhão depois que todo mundo já tinha ido dormir, do bolo de cenoura, da legião de cachorros que ela cuidava com tanto carinho. Essa mulher me viu em momentos realmente delicados da vida, desde que eu era bem jovem. Numa dessas situações, aos 8 anos, em completo desespero depois de um incidente doméstico; ao tentar passar um short de futebol do meu pai, acabei por destruí-lo completamente; foi a ela a quem recorri em busca de socorro. Um detalhe importante: estava completamente nu.
No meu desespero pelo erro que cometi, esqueci da minha nudez infantil e fui aos prantos buscar o apoio de Tia Rosane. Ela é esse tipo de pessoa. Você sabe que ela vai dar um jeito de ficar tudo bem. Aos 15 anos, passei um tempo morando em sua casa. Estávamos num momento difícil e, como sempre, ela abriu as portas para nós. Olha, eu não fui um adolescente certinho e tranquilo. Na verdade, era bem o contrário. Mas ela, nunca, nunca, nunca mesmo falou um “ai”. Na verdade, até foi generosa em situações onde eu esperava ser punido. Isso, até onde eu sei, é amor de verdade.
Mas a minha vida, esse desejo de alcançar coisas que pareciam muito distantes, essa chama dentro de mim, me levaram pra longe de muita gente que eu amo. Muita gente que cuidou de mim, mesmo quando levar suas próprias vidas já era bastante trabalhoso. Fizeram isso de verdade, por vontade, com amor. E, mesmo que eu não conseguisse as coisas que queria, já me consideraria sortudo por ter recebido tanto. Que saudade danada!
Há muito mais gente que deveria ser mencionada nesse texto, mas ele ficaria longo demais porque muitas pessoas me conduziram e apoiaram no caminho. Talvez você, que o está lendo agora, seja uma dessas saudades que eu carrego em mim. Se for, obrigado por tudo. Obrigado pelo tempo, pela verdade. Eu não seria o mesmo sem você. A vida levou a gente por caminhos diferentes, para longe um do outro, mas eu te carrego aqui em mim, no meu DNA, para sempre.
Ou talvez, você nem me conheça. Não faz mal. Aposto que você também tem as suas saudades. Também tem alguém para ligar (ligar mesmo) e ficar feliz só de ouvir a voz. Não faça como eu, não deixe as pessoas que te amam se afastarem demais. No final, o sentido das coisas está aí, junto com elas e com o que sentem por nós. Seu cargo vai mudar, seu corpo vai mudar, seu jeito de ver o mundo também, mas as pessoas que te amam de verdade, sempre vão estar lá com você. Mesmo que você esteja com medo, desesperado e nu.
